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As gopis do século XXI...

Trigger Warning: atenção - conteúdo que pode desencadear memórias traumáticas.


Aprendi que, ao colocamos atenção em algo, estamos fornecendo energia àquilo, logo, se faz necessário estar muito alerta para perceber onde está o nosso foco e para não alimentar o que é negativo. Paradoxalmente, também aprendi que tomando consciência da doença ou desequilíbrio já a estamos curando em 50%. Então, tive que aprender como conciliar essas duas verdades em ação: eu tomo conhecimento do problema e foco na solução. Escrevi um texto bastante denso, mas precisamos saber o que acontece. As lutas sociais estão aí para isso - abrir os nossos olhos; conectá-las à postura vegana é muito importante.


Em primeiro de janeiro de 2016, o FBI (sigla estadunidense para Agência Federal de Investigação) passou a investigar crimes contra animais da mesma forma que se investigam crimes de ódio e atentados ao ser humano. Isso porque dezenas de estudos desde os anos 60 mostram que existe uma relação entre pessoas que maltratam animais e assassinos ou molestadores. Concluiu-se que 80% dos psicopatas começam seus crimes matando animais, 60% dos abusadores de crianças começam abusando sexualmente de animais. O FBI concluiu que um matador de animais tem cinco vezes mais chances de matar um ser humano. Com exceção de casos mais raros de distúrbios químicos e neurológicos desde o nascimento, o processo começa violando a integridade física daquele sujeito que a sociedade considera de inferior importância (o animal) e evolui para um humano, num movimento gradual de matar a empatia dentro de si, até insensibilizar-se por completo e ter prazer com aquilo.


É muito comum no mundo do Yoga vermos as pessoas sonharem com a Índia como uma sociedade perfeita, pacífica, de vegetarianos, meditadores… bem, aqui vou expor um cenário um tanto contrastante. A “terra dos gurus” que ensinam Ahimsa – não-violência – esconde comportamentos bastante assustadores. Em minhas 18 entradas no país, especialmente nos últimos dois anos, fui conhecendo um pouco de seu submundo, especialmente com relação à mulher - é uma sociedade tradicionalista e extremamente machista.

Agarrada e forçada a não se mover, ela é então amarrada, sua genitália é exposta e tocada, a vagina é invadida com uma frieza tal como se seu corpo fora apenas um objeto sem vida, sem alma. E em meio à dor e à humilhação, o homem deixa o sêmen dentro dela. Em 35% dos casos, há fecundação. São 99 casos por minuto na Índia e recebe o eufemismo de “inseminação artificial”. As vítimas são vacas e búfalas, que são usadas para abastecer a indústria do leite. A Índia é a nação que mais produz leite no globo.


Com as mulheres, apenas os números são diferentes; estima-se que há um estupro a cada 20 minutos no país, mas os dados são baseados nos casos que são registrados, e são poucos em relação ao total. Ser mulher na Índia é um desafio bem pesado, a começar que no geral as famílias não apreciam o nascimento de meninas.

Ter uma filha na Índia significa ter muitos gastos. Um casamento popular pode custar alguns milhões de rúpias; é preciso trabalhar muito para juntar o seu dote. Já que a noiva trará gastos à família do seu futuro marido, a família dela lhe dá uma quantia “em troca” (é um negócio). Logo, é mais comum do que se imagina matar as bebês meninas logo que nascem.

Mulheres viúvas não podem se casar de novo (na crença local, elas trazem má sorte). Já os homens podem se casar toda vez que se tornarem viúvos (então existem assassinatos por conta de o marido desejar uma mulher mais nova); assim, se casam com meninas, às vezes com idades anteriores à adolescência (o país proibiu em 2006 o casamento com meninas menores de 18 anos, mas a prática continua nos vilarejos e aldeias, atualmente o país ainda ocupa o 10º lugar no ranking mundial de casamentos infantis). Agora, como fica a situação emocional de uma menina de 14 anos enterrando viva sua primeira filha a mando de seu marido e da sogra? E quando, em suas próximas duas gestações, culminar na mesma situação, como fica esse ser humano?

Matam tantas meninas que existem vilas onde só há meninos. Essa situação se tornou tão alarmante que, na última década, organizações humanitárias, programas do governo e até a Unicef tentam mudar o cenário, alcançando resultados significativos em algumas regiões. Porém, existem áreas de difícil acesso em que as práticas seguem. E esse desequilíbrio gera um outro problema, a falta de mulheres para se casar. Por conta disso, na Índia, uma criança é sequestrada a cada oito minutos, um terço delas não são reencontradas. Elas são vendidas por cerca de 350 a 800 dólares (aproximadamente 56 mil rúpias) para homens mais velhos. Muitas vezes, quem as vende são parentes próximos, que veem nelas uma oportunidade de fazer dinheiro. Isso leva também ao tráfico humano (uma indústria que movimenta 32 bilhões de dólares anualmente no mundo) para o mercado sexual. Mais de 150 mil mulheres são levadas da Ásia para esse fim todo ano, com um número expressivo de indianas, mas o mercado interno é abundante: só em Calcutá existem aproximadamente 60 mil prostitutas, envolvendo crianças que ainda nem sabem falar direito. No geral, elas nunca terão acesso à escola ou a qualquer outra atividade, pois mulheres são culturalmente proibidas de trabalhar no comércio, então servem de mão-de-obra barata na construção civil, na agricultura, na pecuária ou na prostituição.


Como a mulher casada pertence à família do marido, ela não pode divorciar-se. É muito comum que ela seja a “escrava" da casa, lavando a roupa de todos, fazendo a comida, arrumando a casa - que é a dos pais do marido e seus irmãos ainda solteiros - e cuidando dos filhos. Em 65% dos matrimônios, existe violência doméstica, envolvendo estupros e agressões. Quando uma mulher decide dar queixa à polícia (estima-se que apenas uma em 50 mulheres denuncia), corre o risco de ser denunciada pela própria polícia à família, que geralmente vai puni-la por ter delatado o marido. Quando a queixa é aceita (8% dos casos), ela só poderá sair da casa do agressor (divorciar-se) sob a decisão do juiz, que pode não aceitar e ela seguirá obrigada a viver nesse meio hostil. Para a família da mulher, significa uma desonra ter a filha de volta, então, se no caso de uma fuga o destino for esse, muitas vezes os pais da moça entregam-na novamente à família do marido. Além do mais, uma mulher sozinha na Índia é considerada ninguém e muitas terminam na prostituição para conseguir sobreviver.


Na Índia e na maior parte do planeta, a mulher é considerada inferior ao homem, mas lá, no “país do Yoga”, ela é uma propriedade da família, e para as famílias tradicionais o desejo é que continue assim. Há regiões em que os homens preferem manter as meninas fora da escola para que elas não conheçam outras realidades, para que não se empoderem. Mulheres independentes são consideradas desertoras da tradição e, aos olhos machistas, elas devem ser punidas. Aí entram os “estupros por justa causa”; mulheres que andam sós, que andam com meninos, que fazem faculdade, que namoram, que saem à noite, esse é o perfil das milhares de mulheres estupradas, inclusive coletivamente. Há casos mais isolados, mas infelizmente ainda recorrentes em pequenas aldeias, onde a punição para adultério é aplicada apenas à mulher e se dá através de estupro coletivo. São práticas proibidas no país, mas ainda ocorrem e são abafadas. A justiça age mais nos casos onde “não existe uma razão para tal ato” e, nesses, só um quarto dos estupradores são condenados.

Aos olhos daquela sociedade, mulheres estupradas são culpadas, por isso silenciam-se e escondem-se (vítima de estupro declarada não poderá se casar), muitas se suicidam, outras são empurradas a se casar com o agressor, para não desonrar a família tendo uma filha solteira. Desde a década de 70 é o crime que mais cresceu no país, 870%.


Coincidentemente, é nesse período que começa o Operation Flood, um programa subsidiado pelo governo que alavancou a produção de leite no país, colocando milhares de famílias em contato direto com o estupro e a agressão de vacas diariamente. Esse programa sustenta a indústria de carne na Índia, que, apesar de não possuir gado de corte, apenas bezerros e vacas, é o país número 1 na exportação de carne no mundo.


Você talvez pergunte: “Mas não é lá que a vaca é sagrada?”. Sim, e é onde esses animais têm um dos tratamentos mais insensíveis do planeta. É também o país das deusas, o país que ora para a Mãe Divina. A contradição num grau extremo.


Não pensemos que no Brasil é diferente, somos o número 2 em exportação de carne; o machismo impera, homens decidem como a mulher deve se vestir, como deve cuidar de seu corpo, com quem pode falar, em que lugares pode falar, se pode ou não ter filho etc. E é o país onde 135 mulheres são abusadas e 8 mulheres são assassinadas por dia.


No Brasil, 21,7 milhões de vacas são estupradas por ano. Um país que, como a Índia, precisa deixar de maltratar os animais, especialmente as fêmeas. E para que isso aconteça, precisamos deixar de consumir os produtos de origem animal.


“Oberom, por que, então, você leva grupos para Índia?”. Porque existem pessoas maravilhosas que observam os princípios espirituais na vida prática, porque há pessoas muito engajadas em sanar essa realidade tão primitiva da Índia, pessoas que despendem esforços hercúleos para melhorar a vida dessas meninas, pessoas que arriscam a própria vida para salvar as vacas e bezerros. Um país que, como o nosso, tem pessoas comprometidas com a verdade, que devotam seus dias a ela. A Índia ainda não destruiu sua magia, levo as pessoas para testemunharem isso.


Bhavesh Vvn, da RRSA - Rescue and Rehabilitation of Stray Animals - Índia

Grupo em viagem com a Caravana Aham Prema, visitando a comunidade Sadhana Forest - Índia

Créditos das imagens e fontes das informações:

Orlando Chavatta

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