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O alimento de amor


Quando eu era lactovegetariano, as pessoas que comiam carne achavam que era frescura; eu via insensibilidade nelas. Tornei-me vegano; alguns lactovegetarianos achavam que isso era frescura ‒ novamente era insensibilidade que eu via. Quando abordo uma alimentação que seja mais crua, mais saudável, mais ecológica, menos industrializada, muitos veganos acham que é frescura… Um dos argumentos é que a causa é pelos animais, não interessa o que fazemos ao nosso corpo, basta não consumir produtos que tenham ingredientes de origem animal. Parece óbvio, o que discutir? A postura vegana é sobre a libertação animal, não é uma dieta. A dieta livre de ingredientes de origem animal é uma consequência dessa postura. Porém, é possível explorarmos um pouco mais essa questão. Pode parecer frescura, mas se você ler trazendo sua sensibilidade para interpretar estas palavras, pode nascer um algo além disso.

No Ayurveda ‒ ciência de manutenção da saúde e de cura da tradição védica da Índia –, existe um conceito do alimento que está além do seu sabor, da sua temperatura e também além de seus nutrientes: é o que conhecemos como "comida de vó”, que na Índia se chama prabhava, a energia sutil do alimento. O conceito é aplicado para a interferência que pode existir na manipulação de fitoterápicos, a mudança que pode ocorrer na porção farmacodinâmica das ervas e até das composições por meio das informações ou vibrações que estão no entorno daquele medicamento ou alimento, impregnando-os com aquela energia. Daí vamos ter temas de filmes como Chocolate, do diretor sueco Lasse Hallström, e Como água para chocolate, do diretor mexicano Alfonso Arau, que mostram o impacto da energia que foi colocada nos alimentos sobre os personagens da trama. E talvez por isso é tão comentada a inigualável comida da vovó. Também por isso a forma de se alimentar é tão importante na jornada espiritual. Seguramente podemos continuar julgando como frescura, afinal de contas o que isso teria a ver com a postura vegana?

Existe um detalhe na questão “Produto feito por veganos e produtos sem ingredientes de origem animal de empresas que não têm compromisso com a causa animal” e prabhava pode estar muito presente aí. O que trará mais bem-estar: um alimento feito com amor, por pessoas com a intenção de que goste muito daquele produto para que se convença de que pode viver bem sem gerar sofrimento, ou um produto feito por máquinas e pessoas que só querem terminar sua jornada de trabalho, em ambiente em que o conceito se resume a lucro, sendo que parte desse lucro será para torturar e matar animais não humanos? Talvez falte a sensibilidade, mesmo, e você não consiga sentir a diferença; não deve se culpar, fomos treinados para isso. É dito que a parte sutil do alimento, o prabhava, influencia nossos processos cognitivos, nosso temperamento; o que comemos interfere no que pensamos, logo somos o que comemos, em termos é isso mesmo... O que comemos pode determinar nossas escolhas e nossas atitudes.

Se quero salvar os animais e essa é minha prioridade, será muito interessante observar esse processo, pois é comum vermos carnistas muito insensíveis, explosivos, reativos; eu sempre questiono que se uma pessoa se alimenta de violência todos os dias, como poderia ser diferente? Mas experimente você entrar em um grupo relacionado à postura vegana nas redes sociais e fazer uma pergunta do tipo: “E se eu comer só os ovos de galinhas felizes?”, ou talvez “Castrar o cachorro não é opressão contra ele?”, ou “Ser vegano não teria a ver com salvar os humanos também?”. Alguns comentários virão em um nível de ódio tão profundo quanto a oposição de carnistas em um diálogo sobre nossa postura.

De onde vem isso? Somos humanos, eu sei, a injustiça nos irrita, a falta de sensibilidade nos deixa com raiva, mas e a falta de tolerância com aquele que só está perguntando? Isso não ajuda em nada no movimento vegano; condenamos aquele que come queijo por ele estar financiando a matança de animais, mas defendemos nosso direito de ser agressivos e intransigentes com quem poderia estar agora salvando animais. Não é frescura, essa tolerância é ativismo, que não significa tolerar a atitude de explorar seres sencientes, mas compassivo com sua ignorância do outro, essa é a diplomacia necessária para salvar mais animais, uma vez que cria-se espaço de diálogo, podendo oferecer ao desinformado o ponto de reflexão necessário para sua mudança, do contrário, teremos apenas mais afastamento e consequentemente nenhuma melhora no cenário de morte dos animais. A fúria que a injustiça gera também pode nos cegar. Até a palavra Amor já incomoda muitos veganos... será que não é isso que está faltando nas refeições? - Texto publicado originalmente na Revista Vegane, a primeira revista sobre a postura vegana no Brasil.


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